O Princípio da Boa-fé aplicado aos contratos
- Esthefany Malonyai Cavalieri
- 22 de set. de 2022
- 4 min de leitura

O Princípio da boa-fé, aplicado aos contratos, consiste um referencial teórico que auxilia e norteia a interpretação das cláusulas e condições contratuais.
Nesse aspecto, o Código Civil brasileiro instituiu três funções distintas ao princípio da boa-fé, sendo elas: interpretativa dos negócios (art. 113), limitativa de comportamentos abusivos (art. 187) e fonte de deveres anexos (art. 422).
Função Interpretativa do Princípio da Boa-Fé
A função interpretativa do princípio da boa-fé está prevista no artigo 113 do Código Civil:
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. § 1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que: I - for confirmado pelo comportamento das partes posterior à celebração do negócio; II - corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de negócio; III - corresponder à boa-fé; IV - for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável; e V - corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração. § 2º As partes poderão livremente pactuar regras de interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos diversas daquelas previstas em lei.
A redação de um contrato é uma tarefa bastante complexa e que demanda profundo conhecimento técnico e negocial.
Em certos casos em que o contrato é redigido de maneira inadequada, lacunas, ambiguidades e contradições podem ser identificadas.
Lacuna é um ponto omisso. Ambiguidade é a pluralidade de interpretações. Contradição é a existência de preposições contraditórias. Esses vícios contratuais são extremamente maléficos, pois podem gerar conflitos, prejuízos financeiros e até mesmo impedir a fluída e efetiva execução do contrato.
O Princípio da boa-fé, da forma prevista no artigo 113 do Código Civil, possui a função de nortear a interpretação de cláusulas contratuais que possuam algum desses vícios.
A ideia, portanto, é auxiliar a interpretação, a fim de que a omissão seja aclarada e que o melhor caminho seja eleito em caso de contradição ou ambiguidade.
Princípio da Boa-Fé e sua função limitativa de comportamentos abusivos
Comportamentos abusivos são aqueles que extrapolam os limites previstos em contrato e que contrariam os comportamentos naturalmente esperados das partes.
A fim de evitar que comportamentos abusivos sejam cometidos em relações negociais, o legislador instituiu o artigo 187 do Código Civil, o qual possui a seguinte redação:
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Nesse aspecto, importante ressaltar que uma relação negocial não nasce apenas com a assinatura do contrato. Em verdade, uma negociação é composta de 3 fases: i) fase pré-contratual; ii) fase contratual; e iii) fase pós-contratual. E a boa-fé deve existir em todas elas.
A fase pré-contratual é considerada uma fase negociatória e decisória, onde, embora não exista a obrigação de contratar (decorrente do princípio da liberdade contratual), existem deveres de ordem comportamental, tais como a probidade e boa-fé, lealdade, proteção, esclarecimento e informação.
A fase contratual, por sua vez, nasce com a aceitação da proposta. É comumente materializada com a celebração de um contrato, cuja forma varia de acordo com a natureza e os aspectos característicos do negócio. A execução das obrigações contratuais ocorre na fase contratual.
A fase pós-contratual inicia-se com a extinção do contrato e engloba todos os fatos relevantes ocorridos após referido momento.
Dizer que as partes devem observar o princípio da boa-fé e que a violação da referida obrigação é classificado como um ato ilícito demonstra que a legislação civil brasileira exige que as partes guardem comportamento probo desde o início da negociação, durante sua execução e após sua finalização.
Princípio da boa-fé como fonte de deveres anexos
Conforme dito anteriormente, o contrato é a materialização de um negócio jurídico.
Um negócio jurídico, por sua vez, é composto por interesses e obrigações mútuas.
Um contrato de compra e venda de imóvel, por exemplo, é a materialização de um negócio em que o proprietário de um imóvel pretende vendê-lo e uma outra pessoa, o comprador, pretende comprá-lo.
Nesse contrato são, portanto, convencionadas obrigações recíprocas. Em linhas gerais, o vendedor se obriga a entregar a posse do imóvel e transferir sua propriedade, enquanto o comprador se compromete a pagar o preço ajustado.
A boa-fé, como fonte de deveres anexos, adiciona obrigações às partes. Ou seja, além das obrigações naturais do negócio e previstas em contrato, as partes contratantes, por imposição legal, também são obrigadas a cumprir e seguir regras de conduta.
É o que diz o artigo 422 do Código Civil:
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Agir com probidade e boa-fé é, portanto, obrigação dos contratantes
Sendo a boa-fé uma obrigação, os comportamentos adotados pelos contratantes ganham grande relevância.
Nesse aspecto, determinados comportamentos são proibidos, como os contraditórios (nemo potest venire contra factum proprium) e o agravamento voluntário do próprio prejuízo (duty to mitigate the loss); e outros são considerados fontes de novas obrigações (surrectio) ou supressão de obrigações originariamente previstas no contrato (supressio).
A exceção do contrato não cumprido prevista no artigo 476 do Código Civil, regra que impede que o contratante inadimplente exija coercitivamente o cumprimento da prestação oposta, é também consequência do princípio da boa-fé contratual.
Nota-se, portanto, que o princípio da boa-fé contratual visa a proteção da relação de confiança criada e mantida entre as partes contratantes, o que é extremamente importante para o mercado como um todo.
Espero que tenha compreendido como esse instituto é aplicado na prática!
Nossa equipe segue à disposição para possíveis esclarecimentos.
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